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terça-feira, 22 de abril de 2008

Raimundo António de Bulhão Pato

 

*A JOSÉ ESTEVÃO*

Eu fui..........

Manzoni,

_Il cinque Maggio_

I

Eil-o junto de nós dormindo o somno eterno.

Na terra emfim descança ao pé do chão paterno.

Ao pae que tanto amor em vida lhe votou

Tambem na sepultura agora se abraçou.

Quando ao romper do sol alegre o céo rebrilha,

Como anjo tutelar desce do Empyreo a filha;

Bate as azas gentis por entre o cyprestal,

E solta hymno inspirado ao somno paternal.

Quem constante lidou, desde a mais tenra edade,

Em prol do amor da patria, em bem da humanidade,

Quando é chegada a hora e deixa a terra emfim,

Á entrada do outro mundo encontra um seraphim.

II

E quem pois o amor da patria

Com vehemencia egual sentiu,

Qual o peito onde surgiu

Mais ardente hoje esse amor?

Quem, como elle, n'um só gesto,

Quando a turba se atropela,

Quebra as ondas da procella

Resistindo ao seu furor?

E se a mão da prepotencia

Procurava erguer-se altiva,

Quem mais prompta e quem mais viva

Tinha sempre a inspiração?

Era ouvil-o ouvir a patria,

Quando exclama na anciedade:

«Liberdade, oh! liberdade!»

Com a voz do coração.

Ah! no exilio, quantas vezes,

Afogada entre gemidos,

Mormurára a seus ouvidos

A voz do paiz natal!

E ouvindo-a sua alma, em impetos

Do mais sincero heroismo,

Sonhava em transpôr o abysmo

E libertar Portugal!

Então a graciosa aldêa,

O val coberto de olmeiros,

Os ingenuos companheiros

De seus jogos infantis,

Tudo aos olhos lhe sorria,

Matisado de mil côres,

Montes, valles, prados, flores,

Céo e luz do seu paiz!

Rompe um dia aurora esplendida,

O tambor toca a rebate,

No mais fero do combate

Entra, luta, conquistou!

Conquista dos proprios lares!...

Mas do campo afasta a vista,

Por que emfim n'essa conquista

Sangue de irmãos se espalhou!

Era assim: tinha lutando

No olhar o fogo supremo,

Na voz o poder extremo

Que arrebata a multidão;

Desafiando o inimigo,

Entre as nuvens da metralha,

Era um tigre na batalha,

Na victoria--era um irmão!

III

Termina a luta fervida,

Cae na bainha a espada,

Retorna aos lares placidos

Da terra sua amada,

D'esta que berço e tumulo

Do grande genio foi!

Se nos assaltos bellicos

Distincto era o soldado,

Acções inda mais validas

Lhe destinara o fado:

Desprende a voz, e a patria

Sauda um novo heroe!

Quando se abatem animos,

Medindo a luta immensa,

Quando n'alguns espiritos

Já desfallece a crença,

Surge imponente e mostra-lhes

Raiar nova manhã!

É porque o genio esplendido,

Que a liberdade inspira,

É como a voz prophetica,

Que outr'ora dirigira

Do Egypto um povo misero

Á fertil Canaan!

Quando com olhos avidos,

Em torno a nós medimos

A industria, o bem, a gloria,

Em tudo, emfim, sentimos

Que dera impulso maximo

Seu sopro animador!

Não raro correm lagrimas

De uma saudade infinda!...

Quanto não fez!... quantissimo

Tivera feito ainda,

Se o não roubasse subito

A morte ao nosso amor!

IV

Dorme junto de nós, dorme teu somno eterno

Na terra a que votaste o santo amor fraterno.

Ao declinar da tarde, ao rebrilhar do sol,

Na hora em que descante occulto rouxinol,

Virá tambem do empyreo, alegre philomela,

A tua ingenua filha, a pomba alva e singela,

Esvoaçar gentil por entre o cyprestal,

Soltando hymno inspirado ao somno paternal;

Por que, emfim, quem lidou desde a mais tenra edade,

Em prol do amor da patria, em bem da humanidade,

Quando é chegada a hora, e deixa a terra emfim,

Á entrada do outro mundo encontra um seraphim.

 

Fevereiro, 5--1866 Bulhão Pato.

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