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domingo, 13 de abril de 2008

Sá de Miranda

Sa de Miranda

Francisco de Sá de Miranda (Coimbra, a 28 de Agosto de 1481 — Amares, 1558) foi um poeta português.

Francisco de Sá de Miranda nasceu em Coimbra:/da antiga e nobre cidade som natural, som amigo/, em 28 de Agosto de 1481 (data em que D. João II subiu ao trono, dizem os biógrafos). Era filho de Gonçalo Mendes, cónego da Sé de Coimbra e de Inês de Melo, solteira, nobre, e neto paterno de João Gonçalves de Crescente, cavaleiro fidalgo, e de sua mulher Filipa de Sá que viveram em S. Salvador do Campo (Barcelos) e em Coimbra, no episcopado de D. João Galvão.

Nada se sabe da vida de Sá de Miranda nos seus primeiros anos. Meras hipóteses, mais ou menos aceitáveis, nos indicam o caminho que seguira, desde o seu berço em Coimbra até à Universidade em Lisboa.

Foi nas Escolas Gerais que Sá de Miranda conheceu Bernardim Ribeiro, com quem criou estreitas relações de amizade, lealmente mantidas e fortalecidas na cultura literária, nos serões poéticos do paço real da Ribeira, na intimidade, em confidências e na comunhão de alegrias e dissabores.

Estudou Gramática, Retórica e Humanidades na Escola de Santa Cruz. Frequentou depois a Universidade, ao tempo estabelecida em Lisboa, onde fez o curso de Leis alcançando o grau de doutor em Direito, passando de aluno aplicado a professor considerado e frequentando a Corte até 1521, datando-se de então a sua amizade com Bernardim Ribeiro, para o Paço, compôs cantigas, vilancetes e esparsas, ao gosto dos poetas do século XV.

NA CORTE - TROVADOR

Se as ninfas do Mondego lhe embalaram docemente o berço e lhe deram as primeiras inspirações, o sangue dos Sá, tão rico de vida e de fulgor, e o seu parentesco com a fidalguia da corte, abriram-lhe as portas do paço da Ribeira, que era então o templo das Musas. Ali ouviu os velhos trovadores D. João de Menezes, o Pica-sino, que assistiu à tomada de Azamor (1513) e lá morreu em 15 de Maio de 1514; e D. João Manuel, camareiro-mor de el-rei.

Na carta a D. Fernando de Menezes, Sá de Miranda refere-se, com viva saudade, no seu retiro de Duas Igrejas, às festas da corte, aos velhos trovadores e aos faustosos serões.

O Cancioneiro Geral de Garcia de Rezende, impresso em 1516, publica treze poesias do Doutor Francisco de Sá. Seus versos à maneira dos trovadores da época já revelam o carácter do homem e a vivacidade e cultura do seu espírito. Sá de Miranda começou, imitando os poetas do Cancioneiro General de Hernan Castillo, impresso em 1511, glosando, em castelhano, os motes ou cantigas de Jorge Manrique e de Garcia Sanchez. Nunca abandonou as formas tradicionais da redondilha, antes e depois de conhecer e aceitar a escola italiana, e de introduzir em Portugal o verso decassilábico.

VIAGEM A ITÁLIA E ESPANHA

Tendo-lhe falecido o pai, em 1521 parte para Itália onde permanece até 1526. Graças a uma parente abastada, Vitória Colonna, marquesa de Pescara, pôde conviver com algumas personalidades do Renascimento italiano, apreciando muito a estética literária que todos os humanistas cultivavam com entusiasmo.

Regressou a Portugal em 1526, depois de um convívio com escritores e artistas italianos que iriam influenciá-lo grandemente. Fruto dessa viagem, trouxe para Portugal uma nova estética, introduzindo o soneto, a canção, a sextina, as composições em tercetos e em oitavas e os versos de dez sílabas.

Além de composições poéticas várias, escreveu a tragédia Cleópatra, as comédias Estrangeiros e Vilhalpandos, e algumas Cartas em verso, sendo uma delas dirigida ao rei D. João III, de quem era amigo.

Dessa viagem, que o poeta recordou, saudoso, na cata a D. Fernando de Menezes, resultaram seus inegáveis triunfos, o progresso do nosso teatro e a introdução do verso decassílabos a par das novas formas poéticas. Foi, sem dúvida, o introdutor da escola italiana, o arauto da Renascença literária em Portugal.

Na ida, ou na volta, demorou-se em Espanha. Na carta em que respondeu a D. Fernando de Menezes, que lhe havia escrito de Sevilha, refere-se Sá de Miranda aos lugares que lhe deixaram mais viva impressão.

REGRESSO A COIMBRA

Não existem elementos seguros para fixar a data do regresso de Sá de Miranda. D. Carolina Michaelis de Vasconcelos afirma, todavia, que o poeta voltou a Portugal em 1526 ou, com mais certeza, em 1527 fixando a sua residência em Coimbra ou nos seus arredores. É no entanto possível afirmar-se, sem receio, que Sá de Miranda estava em 1527 na sua terra natal.

Foi em Coimbra e em Buarcos que o poeta do Neiva estudou e escolheu a melhor forma de executar o seu plano de reforma literária concebido em Itália.

A comédia "Os Estrangeiros", em prosa, foi talvez a sua primeira obra e é, sem dúvida, a nossa primeira comédia clássica. Sá de Miranda, no propósito de apresentar um modelo clássico que triunfasse dos autos de Gil Vicente, tão apreciados pelos cortesãos, imitou "mais do que deveria" o teatro de Terêncio e de Plauto.

SAÍDA DA CORTE

Um dos factos mais interessantes da vida de Sá de Miranda, que tem prendido a atenção dos biógrafos e cuja explicação continua mais ou menos escondida entre hipóteses e dúvidas, é o seu abandono da corte, a fuga do povoado, o abrigo à sombra das florestas, o domicílio no Minho.

Qual o motivo de tão violenta resolução? Qual a causa do ostracismo do poeta, tão apreciado nos serões do paço?

Os biógrafos apontam várias razões. Uma das possíveis causas da sua retirada para o Minho estará relacionada com a chegada da corte a Coimbra no ano de 1527. Sá de Miranda encontrava-se na cidade do Mondego tendo sido, provavelmente, ele a fazer a oração de chegada a el-rei D. João III. Por essa altura Sá de Miranda assistiu à representação da comédia de Gil Vicente sobre a divisa da cidade de Coimbra. No prólogo, Gil Vicente, descrevendo a nobreza de Coimbra, omite os Sás e só fala dos Melos. Ora, filho do cónego Gonçalo Mendes de Sá e de Inês de Melo, Sá de Miranda, homem culto que assistira em Itália a artísticas representações dramáticas, sentiu-se mal entre os numerosos admiradores de Gil Vicente. Assim da crítica desfavorável de Sá de Miranda e dos comentários que dela resultaram no meio intriguista da corte, nasceram o ódio a Gil Vicente, a indisposição de Sá de Miranda, e as discussões mais ou menos violentas entre os seus respectivos admiradores. Aborrecido e desgostoso, Sá de Miranda retirou-se para Buarcos.

Logo que a corte se retirou para Almeirim, Sá de Miranda recolheu, como parece, à sua terra. Gil Vicente voltou a atacar Sá de Miranda na farsa "O Clérigo de Beira" representada na corte em 1529: "filho de clérigo és, nunca bom feito farás". Este ataque tão violento e os aplausos dos favoritos agravaram profundamente a ofensa e o poeta retirou-se para o Minho.

NO MINHO - O CASAMENTO

Sá de Miranda não veio, como erradamente se diz, logo para Duas Igrejas porque a mercê da Comenda só data de 1534. Se até aqui a vida do poeta do Neiva está ensombrada de dúvidas, entre 1530 e 1558, ano do seu falecimento, pode, em grande parte, documentar-se.

O primeiro documento data de 1530 e trata-se de uma escritura lavrada no dia 3 de Maio, na Casa de Crasto, onde se encontrava temporariamente com a sua mulher, através da qual efectua a compra de metade da quinta de Barrio em Fiscal, Amares. A 20 de Julho de 1531, numa quinta que era pertença de sua mulher, a quinta da Torre em Penela (actual S.Tiago de Arcozelo) é elaborada outra escritura de transmissão de propriedades. Daqui se conclui que, antes de 1530, já o poeta era casado com Briolanja de Azevedo. Ora sendo certo que D.Briolanja teve a Quinta da Torre, em Penela (dentro dos limites do extinto concelho de Penela esta quinta situava-se na freguesia de S.Tiago de Arcozelo, a que esteve anexa à freguesia de Marrancos. Pertenceu aos senhores do Paço de Marrancos e à casa de Codeçosa) aqui residiu com o poeta até à mercê da comenda de Duas Igrejas.

COMENDA DE DUAS IGREJAS

Quando casou, Sá de Miranda ainda não era comendador. Nessa época, ser comendador da Ordem de Cristo representava uma elevada posição, nobreza, fidalguia, privilégios e isenções, de que o interessado não prescindia e de que os oficiais públicos se não esqueciam por cortesia e por dever de ofício, principalmente nos contratos de compra e venda para justificar o não pagamento de sisa. Ora o primeiro documento que refere o título de comendador a Sá de Miranda, data de 1535 e trata-se de um autógrafo do poeta relacionado com a compra de uns moinhos em Caldelas. Assim, é certo que em 1535 já o poeta do Neiva tinha fixado domicílio em Duas Igrejas.

A quinta da comenda das Duas Igrejas situava-se na margem esquerda do rio Neiva e foi esta a residência do poeta até 1552. Aqui passou os anos mais felizes da sua vida, na doce companhia de D. Briolanja, criando e educando os filhos; aqui o visitaram seus amigos e os admiradores do seu talento e do seu carácter. Foi aqui, bem junto do rio Neiva, que Francisco Sá de Miranda concebeu e compôs a maior e melhor parte da sua obra literária. A écloga Aleixo, que tem servido de explicação para o ostracismo do poeta, foi composta em Duas Igrejas e é a sua primeira poesia clássica, como afirma Sá de Miranda na Epístola a Antonio Pereira, senhor de Basto.

D. Manuel de Portugal, o conde de Vimioso que viria a ser o mecenas de Luís de Camões, foi o primeiro imitador do poeta do Neiva, e as suas íntimas relações com Sá de Miranda explicam-se facilmente, sabendo-se que aquele ilustre fidalgo foi comendador de S.Pedro de Calvelo e que esta comenda é vizinha da de Duas Igrejas e também banhada pelo rio Neiva.

NA CASA DA TAPADA

Como já foi referido, em 3 de Maio de 1530, o poeta do Neiva adquiriu metade da quinta do Bárrio, em Fiscal. Com posteriores aquisições e a outra metade da quinta em 1550 viria a constituir a quinta da Tapada. Continuando a residir em Duas Igrejas, o domicílio do poeta na Tapada só pode documentar-se desde 28 de Abril de 1552

Mas não foi longa nem feliz a vida do poeta do Neiva no seu derradeiro domicílio. A casa que edificara com tanto carinho, a sua quinta cercada, o carinho que lhe dedicou, foram impotentes para assegurar um fim de vida tranquilo e descuidado. Desgostos, receios, cuidados e desventuras, precipitavam-se entre a velhice e a enfermidade.

Não foram, nem podiam ser, numerosas as produções de Sá de Miranda, neste curto e doloroso período, que devia ser o derradeiro da sua vida. Mas foi na Tapada, na decadência do poeta, que este recebeu os melhores testemunhos de admiração dos continuadores da reforma literária por ele empreendida: António Ferreira e Diogo Bernardes.

Em 1552, ou princípios de 1553, enviou ao príncipe D. João, e a seu pedido, o terceiro caderno de poesias (já antes tinha enviado dois), desta vez mais conformes à nova escola italiana.

Mas, a partir de 1552 os desgostos sucederam-se, na Casa da Tapada: neste mesmo ano dá-se a morte do seu desventurado amigo Bernardim Ribeiro; no ano seguinte morre o filho Gonçalo, vítima de uma emboscada em Ceuta; em 2 de Janeiro de 1554 morreu o príncipe D. João, herdeiro do trono, um grande amigo e devoto admirador das obras do poeta a quem Sá de Miranda dedicou uma elegia (poesia fúnebre); em 1555 morre D. Briolanja de Azevedo, sua mulher, que não pôde resistir à dor sofrida pela perda de seu filho. Sá de Miranda que, hora a hora, pressentia a nova punhalada, sofreu resignado o duro golpe; em 1557 morreu el-Rei D. João III por quem Sá de Miranda teve sempre a maior veneração, a quem foi sempre leal e grato, porque o monarca, bondoso e ilustrado, teve, desde moço, grande afeição ao poeta do Neiva. A mercê da comenda de Duas Igrejas, a carta que Sá de Miranda lhe dirigiu, após o abandono da corte, e a dedicatória da fábula do Mondego sobejam para confirmar as boas relações que a morte de D. João III aniquilou.

Depois da morte de D. Briolanja, Francisco de Sá de Miranda viveu com o seu filho Jerónimo, ainda menor, na quinta da Tapada, dando mostras de bom administrador (também da quinta da comenda de Duas Igrejas) e aumentando seus bens.

O FIM DA VIDA DO POETA

Os desgostos sofridos, o peso dos anos, os insultos da enfermidade foram a pouco e pouco enfraquecendo o corpo do varão prudente e forte que, reconhecendo o seu estado, promoveu o casamento de seu filho Jerónimo para assegurar a conservação da casa da Tapada. Concertado esse casamento, Sá de Miranda escreveu o seu último testamento que não viria a assinar porque, muito provavelmente, a morte o terá surpreendido.

A morte antecipou-se às festas do casamento de seu filho tendo a escritura antenupcial sido lavrada na casa da Taipa, em Cabeceiras de Basto, no dia 14 de Janeiro de 1559.

MORTE E SEPULTURA

A data da morte de Sá de Miranda, indicada com tanta precisão e firmeza pelos seus biógrafos, é inexacta. Não faleceu a 15 de Março de 1558, como se tem afirmado, porquanto em 2,13 e 16 de Maio desse mesmo ano o poeta ainda efectuou compras de certas propriedades, como provam as respectivas escrituras. Também não é certo que o poeta tenha morrido na casa da Tapada. Sá de Miranda ainda deveria manter as suas necessárias e costumadas visitas à comenda de Duas Igrejas. Velho e enfermo pode ter cometido a imprudência de percorrer os longos e arruinados caminhos, os escabrosos atalhos que tantas vezes pisara até Duas Igrejas. Quiçá, saudades dos tempos felizes e da sua fonte inspiradora. Numa dessas viagens poderá ter sido surpreendido pela morte, o que se poderá depreender do soneto fúnebre que Diogo Bernardes lhe dedicou:

/É este o Neiva do nosso Sá de Miranda,/

Inda que tam pequeno, tam cantado?/

É este o monte que foi às musas dado/

Enquanto nele andou quem nos ceos anda?/

/O claro rio onde chorar me manda/

Saudosa lembrança do passado?/

O monte, o vale, o bosque, o verde prado/

Onde suspira Apolo, Amor se abranda?/

/Aqui na tenra flor, na pedra dura/

Escrevi, ninfas, e no cristal puro/

Estes versos que Febo me inspirou/

/Aqui cantava Sá, daqui seguro,/

Livre do mortal peso ao ceo voou:/

Pastores: vinde adorar a sepultura!/

O facto de não ter feito aprovar o seu testamento leva a crer que a morte veio de surpresa. A notícia da morte do poeta do Neiva contristou os seus amigos e admiradores e provocou manifestações mais ou menos eloquentes dos poetas da nova escola italiana em homenagem ao seu introdutor e ao prestigioso mestre de tão preclaros cantores.

Resta esta dúvida: a primitiva sepultura seria em Duas Igrejas ou, levado em andas, enterrar-se-ia na igreja de Carrazedo. Ora, a capela de Nossa Senhora da Apresentação, onde o poeta se encontra sepultado, foi mandada construir pelo filho Jerónimo por vontade expressa no seu testamento de 30 de Setembro de 1581, já o poeta havia falecido havia mais de vinte anos. O seu filho, pedia, nesse testamento, que os ossos de seus pais fossem trasladados para essa capela.

A POESIA

Para Sá de Miranda, a poesia não é uma ocupação para ócios de intelectual ou de salões, mas uma missão sagrada. O poeta é como um profeta, deve denunciar os vícios da sociedade, sobretudo da Corte, o abandono dos campos e a preocupação exagerada do luxo, que tudo corrompe, deve propor a vida sadia em contacto com a "madre" natureza, a simplicidade e a felicidade dos lavradores.

A ele se aplicam perfeitamente os seus versos da Carta a D. João III: «Homem de um só parecer, / dum só rosto e d'ua fé, / d'antes quebrar que volver / outra cousa pode ser, mas da corte homem não é.»

A sua linguagem é elíptica, sóbria, densa, forte, trabalhada, hermética, difícil de entender e às vezes demasiado dura. Mesmo assim, Sá de Miranda é o escritor do século XVI mais lido depois de Luís Vaz de Camões. A sua verticalidade e a sua coerência impuseram-se.

Sá de Miranda concebeu as primeiras comédias clássicas portuguesas (Estrangeiros e Vilhalpandos), cuja recepção pelo público, habituado aos autos (de Gil Vicente sobretudo), não foi das melhores. Se os aspectos criticados por Sá de Miranda e a sua intenção moralizadora o aproximam muito de Gil Vicente, o escritor afasta-se deste último pelas formas e o tom em que vaza as suas críticas.

Sá de Miranda deixou uma importante obra epistolográfica e uma série de éclogas, entre outros textos. A sua obra foi publicada postumamente, em 1595. Influenciou decisivamente escritores seus contemporâneos e posteriores, como António Ferreira, Diogo Bernardes, Pero Andrade de Caminha, Luís de Camões, D. Francisco Manuel de Melo ou ainda, mais recentemente, Jorge de Sena, Gastão Cruz e Ruy Belo, entre outros, manifestando alguns textos destes autores nítida intertextualidade com textos mirandinos, sobretudo com o tão conhecido soneto «O Sol é grande, caem co'a calma as aves».

(Wikipedia)

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