PAINEL
Num cerro do Marão
Estranha luz meus olhos deslumbrou;
E em corpo de lembrança divaguei
Além dos horizontes,
E toda a pátria terra percorri,
E o mar e o céu azul,
Onde os anjos da velha Lusitânia
Voam como através da nossa fantasia.
Vejo campos elíseos de verdura,
Serras azuis de infinda suavidade;
E a serra do Gerês,
Com os seus altos baluartes esculpidos
A pancadas de chuva e de granizo
E a golpes de relâmpagos.
Vejo rios dormentes,
Misteriosos vales, que se alargam
Em cultivadas várzeas;
Ovelhinhas pastando em místicos outeiros
E pastores tangendo a flauta do deus Pã;
Meda de palha nos eirados,
Velhas choupanas que fumegam;
Sobre o quinteiro, à porta, uma ramada verde,
E, mais em baixo, num recanto escuro,
Uma bica de pedra a deitar água fresca
Num cântaro de barro.
E em lugares sinistros,
Que o medo despovoa,
Arruinados solares, onde habitam
Fantasmas e corujas, quando a Lua
Derrama, na solidão extática das noites,
Não sei que frio alvor e que tristeza de alma.
Praias de espuma e névoa, incêndios de oiro, à tarde,
Entre pinhais, fugindo, desgrenhados,
Na direcção do vento...
E cidades, vivendo protegidas
Por santos tutelares:
Viana e Santa Luzia e Braga e o Bom Jesus,
E Guimarães aos pés dum Pio IX em pedra,
Católica e Romana.
E o Porto de Herculano,
Como Lisboa é de Garrett.
Lisboa em gesso branco, o Porto em pedra escura,
Sobre os abruptos alcantis do Douro;
Esse rio que vem de longe, solitário,
Cobrir-se de asas brancas de navios
E de negros canudos de vapores.
Encostados aos cais, depõem a férrea carga.
Outros, vão demandando a barra e o farolim,
Que dá uma luz - tão triste! - em noites invernosas.
Distante, no poente, esfuma-se uma nódoa
Em verdes tons fluídos que palpitam
Numa névoa indecisa, vaga imagem
Da tristeza do mar pintada em nossos olhos.
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