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quarta-feira, 9 de abril de 2008

Vasco de Graça Moura

O MELRO DE VISITA

 

o amor não é uma saga cruel:
vejo-a cuidar das plantas no jardim,
brincam as filhas com lápis e papel
e eu escrevo sossegado. é bom assim.

na relva, um melro a saltitar, vilão
pretíssimo, esfuzia à cata de algum resto,
ou de mosca azarada: passa lesto
entre duas roseiras: já é verão.

mas o melro demanda outro quintal
e do poema, sem jeito e sem disfarce,
sai do bico amarelo em diagonal

desajeitada: esvoaça sem maneiras
como um pingo de tinta a escapar-se,
de verde prateado, as oliveiras.

in «Sonetos Familiares», Quetzal, Lisboa, 1999

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