TROVAS QUE FEZ DUARTE DA GAMA ÀS
DESORDENS QUE AGORA SE COSTUMAM EM
PORTUGAL
Nam sei quem possa viver
neste reino já contente
pois a desordem na gente
nam quer leixar de crecer
A qual vai tam sem medida
que se nam possa ter
boa vida.
Uns vejo casas fazer
e falar por antre-soilos
que creio que têm mais doilos
do qu’ eu tenho de comer.
Outros guarda-roupa, quartos
também vejo nomear
que já deviam d’estar
disso farto.
(...)
Os desvairados vestidos,
que se mudam cada dia,
nom vejo nenhua via
para serem comedidos.
Que se galante traz
um vestido que’ele corte,
qualquer homem d’outra sorte
outro faz.
Porque, como fez Foão
um capuz muito comprido,
polo reino foi sabido,
todos dam já pelo chão.
Quem o português pintou
em Roma, como se diz,
foi nisso mui bom juiz,
e acertou (Rocha, 1962, p. 71-75).
2
Há ainda trovas que fazem referência
à expansão ultramarina, como a dedicada a
Vasco da Gama, intitulada “De Joam Roiz de
Sá, Decrarando Alguns Escudos D’armas”
(Rocha, 1962, p. 32-34) ou que tratam da
morte de D. João II e da ascensão de D.
Manuel, como esta:
LAMENTAÇAM A MORTE DEL-REI DOM JOAM,
QUE SANTA GRÓRIA HAJA, FEITA PER LUÍS
ANRIQUES
Chorai, Portugueses, o tam vertuoso
rei dom Joam, o segundo, que vistes,
tornai-vos de ledos a ser muito tristes,
pois de vós outros partiu desejoso.
Nom menos vos lembre o mui animoso
príncepe, filho daqueste defunto;
sas mortes e perdas chorai tudo junto,
nom menos as madre do triste repouso.
(...)
Est’é o mui alto e mui perflugente,
mui sereníssimo rei e senhor
Dom Manuel, de tanto louvor,
a quem em vertudes Deus sempre
acrecente!
Est’e é o filho do mui eicelente
Infante Fernando de crara memória,
é o bisneto do rei que vitórea
houve per vezes de mui prepotente (Rocha,
1962, p. 32-34).
É possível que Bandarra tenha tido
acesso a algumas destas trovas, seja pela
coincidência de temáticas tratadas, seja pela
nomeação de um personagem, no Sonho
Primeiro, como Pastor Garcia, numa provável
referência ao compilador do Cancioneiro
Geral:
XXVI
E depois um estrangeiro,
E Rodoão que esquecia,
E o nobre pastor Garcia,
E André mui verdadeiro:
Entrarão com alegria.
Ou seja, ainda no século XVI, as
trovas, como expressão literária, estavam
presentes no reino, com temáticas próximas
às apresentadas nas Trovas de Bandarra, o
que pode ter facilitado sua inserção tanto
junto às classes populares como à elite
lusitana, pois, como demonstrado por
Massaud Moisés, as trovas, em sua origem,
eram dirigidas a uma intelectualidade
aristocrática, sendo denominada, muitas
vezes, de cantigas. Essa característica vai
desaparecendo nos séculos XV e XVI, além
de tomar uma conotação popular, ao ser
denominada de quadrinhas (Moisés, 1997,
p.503), porém sem se desvincular totalmente
da elite lusitana, pois, além da forma, o autor
das Trovas respondia a algumas de suas
expectativas, como a expansão do reino, a
conversão dos povos e a formação de um
império universal.
Este é o caso de Bandarra, que se
utiliza deste formato para apresentar suas
concepções acerca de temáticas relevantes
para Portugal, como a expansão ultramarina,
Sem comentários:
Enviar um comentário