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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Gonçalo Annes Bandarra

 

TROVAS QUE FEZ DUARTE DA GAMA ÀS

DESORDENS QUE AGORA SE COSTUMAM EM

PORTUGAL

 

Nam sei quem possa viver

neste reino já contente

pois a desordem na gente

nam quer leixar de crecer

A qual vai tam sem medida

que se nam possa ter

boa vida.

Uns vejo casas fazer

e falar por antre-soilos

que creio que têm mais doilos

do qu’ eu tenho de comer.

Outros guarda-roupa, quartos

também vejo nomear

que já deviam d’estar

disso farto.

(...)

Os desvairados vestidos,

que se mudam cada dia,

nom vejo nenhua via

para serem comedidos.

Que se galante traz

um vestido que’ele corte,

qualquer homem d’outra sorte

outro faz.

Porque, como fez Foão

um capuz muito comprido,

polo reino foi sabido,

todos dam já pelo chão.

Quem o português pintou

em Roma, como se diz,

foi nisso mui bom juiz,

e acertou (Rocha, 1962, p. 71-75).

2

Há ainda trovas que fazem referência

à expansão ultramarina, como a dedicada a

Vasco da Gama, intitulada “De Joam Roiz de

Sá, Decrarando Alguns Escudos D’armas”

(Rocha, 1962, p. 32-34) ou que tratam da

morte de D. João II e da ascensão de D.

Manuel, como esta:

LAMENTAÇAM A MORTE DEL-REI DOM JOAM,

QUE SANTA GRÓRIA HAJA, FEITA PER LUÍS

ANRIQUES

Chorai, Portugueses, o tam vertuoso

rei dom Joam, o segundo, que vistes,

tornai-vos de ledos a ser muito tristes,

pois de vós outros partiu desejoso.

Nom menos vos lembre o mui animoso

príncepe, filho daqueste defunto;

sas mortes e perdas chorai tudo junto,

nom menos as madre do triste repouso.

(...)

Est’é o mui alto e mui perflugente,

mui sereníssimo rei e senhor

Dom Manuel, de tanto louvor,

a quem em vertudes Deus sempre

acrecente!

Est’e é o filho do mui eicelente

Infante Fernando de crara memória,

é o bisneto do rei que vitórea

houve per vezes de mui prepotente (Rocha,

1962, p. 32-34).

É possível que Bandarra tenha tido

acesso a algumas destas trovas, seja pela

coincidência de temáticas tratadas, seja pela

nomeação de um personagem, no Sonho

Primeiro, como Pastor Garcia, numa provável

referência ao compilador do Cancioneiro

Geral:

XXVI

E depois um estrangeiro,

E Rodoão que esquecia,

E o nobre pastor Garcia,

E André mui verdadeiro:

Entrarão com alegria.

Ou seja, ainda no século XVI, as

trovas, como expressão literária, estavam

presentes no reino, com temáticas próximas

às apresentadas nas Trovas de Bandarra, o

que pode ter facilitado sua inserção tanto

junto às classes populares como à elite

lusitana, pois, como demonstrado por

Massaud Moisés, as trovas, em sua origem,

eram dirigidas a uma intelectualidade

aristocrática, sendo denominada, muitas

vezes, de cantigas. Essa característica vai

desaparecendo nos séculos XV e XVI, além

de tomar uma conotação popular, ao ser

denominada de quadrinhas (Moisés, 1997,

p.503), porém sem se desvincular totalmente

da elite lusitana, pois, além da forma, o autor

das Trovas respondia a algumas de suas

expectativas, como a expansão do reino, a

conversão dos povos e a formação de um

império universal.

Este é o caso de Bandarra, que se

utiliza deste formato para apresentar suas

concepções acerca de temáticas relevantes

para Portugal, como a expansão ultramarina,

 

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