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terça-feira, 7 de outubro de 2008

Helga Moreira

Apago cigarro após cigarro,

a chávena ainda quente do café,

e o corpo todo à escuta.

No sono entrevi o teu olhar e

ao visitar-te, excessivamente te beijei.

Entre temor, entre comas, os lugares

que habito são apenas pontos

de esquecimento e fuga.

Tenho medo, por vezes, de estar em casa,

outras, de sair, não sei o que me persegue

ou persigo, movo-me apenas

por entre odores, escombros, e aflita

com perigos indefiníveis.

Os dias todos assim, & etc., 1996, pág. 30

Anda de salto alto, meia preta,

o coração ao pé da boca e,

mais que tudo isso, ver passar

ao pé da porta

uma figura como esta.

Os dias todos assim, & etc., 1996, pág. 83

Tenho a vida feita num novelo,

não pertenço a lado nenhum,

não tenho

país ou terra, nenhuma raiz,

nem escolhas ou nome,

nada a dizer, nada a calar,

nem harmonias ou crenças

nem desígnios.

Uma linha apenas

num mar de mós

sem moinhos.

Os dias todos assim, & etc., 1996, pág. 85

Soa por vezes bem dizer certas palavras

em francês. Foi ontem o caso de

"le résumé" que escrevi num fax

enviado ao Thierry, um rapaz bonito

que vive em Paris e em casa não tem

T.V.

Tem no currículo um éme bi ei.

Os dias todos assim, & etc., 1996, pág. 89

A tua voz ao telefone

entre um fax,

o correio electrónico

e outras banalidades,

a tua voz,

é o único sinal

de deslumbramento

nesta tarde.

Os dias todos assim, & etc., 1996, pág. 92

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