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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Fátima Maldonado

 

A Adoração dos Magos

Aquela noite a três

foi como desenhar a maçarico

numa chapa de ferro

um vento fóssil, um vítreo monograma,

o rasto ao exceder o voo de uma carriça

cativo flutua no vidro de uma jarra.

Suspensos percorriam na polpa da vertigem

léguas sobre o abismo.

Pendentes do zinco da manhã

à espera do início

do seguinte espectáculo

dispersaram o sémen

nas chaminés da noite leprosa.

Nos terraços da luta percorreram

as danças mais funestas da ternura.

Num combinar astuto de referências

abriram-se os portais

e despediram galopes penitentes

os animais libertos

das tecidas mansões.

O unicórnio branco depôs sua cabeça

nos braços da senhora,

compadecida dama,

e lhe tocou fiando suas lãs

entre as unhas crivadas por metralha.

Sinto-lhes o assédio,

em cada joelho poisam

um queixo armadilhado,

a barba já cresceu desde o jantar.

«É a adoração dos magos» - murmuras tu –

fincando na ravina os dedos imanados

enquanto o tronco investe

a pele percorrida por venosas nascentes.

Olho por sobre um ombro

e surpreendo a treva

ofendida esgueirar-se

entre os dedos da porta.

O noctívago galgo

devora a escuridão às cegas no recinto.

Em breve a luz envolve

de opalinas unções as cabeleiras.

Iminentes desenham-se as saídas,

o croissant no prato, o garoto no copo,

o revestir a pele doutros fatos

a tragédia jazente nos horários.

Aquela noite a três foi sem remédio.

 

Fátima Maldonado

Os Presságios

Lisboa, Editorial Presença, 1983

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