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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Filinto Elísio

 

Ode à Amizade

Se depois do infortúnio de nascermos

Escravos da Doença e dos Pesares

Alvos de Invejas, alvos de Calúnias

    Mostrando-nos a campa

A cada passo aberta o Mar e a Terra;

Um raio despedido, fuzilando

Terror e morte, no rasgar das nuvens

    O tenebroso seio

A Divina Amizade não viera

Com piedosa mão limpar o pranto,

Embotar com dulcíssono conforto

    As lanças da Amargura;

O Sábio espedaçara os nós da vida

Mal que a Razão no espelho da Experiência

Lhe apontasse apinhados inimigos

    C'o as cruas mãos armadas;

Terna Amizade, em teu altar tranquilo

Ponho — por que hoje, e sempre arda perene

O vago coração, ludíbrio e jogo

    Do zombador Tirano.

Amor me deu a vida: a vida enjeito,

Se a Amizade a não doura, a não afaga;

Se com mais fortes nós, que a Natureza,

    Lhe não ata os instantes.

Que só ditosos são na aberta liça

Dois mortais, que nos braços da Amizade,

Estreitos se unem, bebem de teu seio

    Nectárea valentia.

Tu cerceias o mal, o bem dilatas,

E as almas que cultivas cuidadosa,

Com teu suave alento aformosentam-se

    Medradas e viçosas.

Caia a Desgraça, mais que o raio aguda

Rebente sobre a fronte ao mal votada,

Mais lenta é a queda, menos cala o golpe

    No manto da Amizade:

E se desce o Prazer, com ledo rosto

A alumiar o peito de Filinto,

A chama sobe, e vai prender seu lume

    Na alma do fido Amigo.


Filinto Elísio, in "Odes"

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