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quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Egito Gonçalves

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Poemas da Cidade

1

Um pequeno dique rompeu as águas na zona do viriato, por volta do meio-dia. Fissuras tinham já sido detectadas, anteriormente, sem provocarem no entanto fundas preocupações; somos pessoas que gostam da água e nela se movem com relativa facilidade. O caudal rompeu sem excessiva violência, criando uma alegria de sentimentos que, ao conduzir-me a casa lentamente, descia pela pele e iluminava as ruas, para assombro dos raros transeuntes de sábado que recebiam o impacto dessa alegria sem compreenderem o que lhes estava a acontecer, sem verem o anjo que os transformava em personagens ocasionais de uma história cujos contornos jamais sequer suspeitariam.

2

Encontrámo-nos no porto antigo, um espaço de onde os navios tinham desertado e as gaivotas há muito passavam ao largo. Um encontro secreto para navegar à vista, evitando os escolhos mais evidentes, com o olhar atento a uma bússula estranha que pulsava como um coração, e como ele se sobressaltava em momentos que faziam oscilar perigosamente a linha de rumo, Os acidentes eram a alegria da viagem; afastar o objectivo o mais possível de forma a torná-la interminável. A avidez controlada, bebida em pequenos sorvos, lentamente, sob a doçura dos ventos alísios.

3

À nossa frente o rio. Subia ou descia a maré, era ou não já salgada a água que o mar empurrava para montante, poderiam ou não, na sua superfície, saltar os peixes que desejavam aproximar-se do sol? Outras interrogações menos claras fluíam entre nós, talvez paralisadoras, escurecendo uma situação que antes parecia tão límpida e deslisante como a corrente que nos animava os olhos - embora também não soubéssemos se ela subia ou descia e procurássemos os peixes que sabíamos querer saltar na direcção do sol mas reservavam por agora, numa estranha espécie de pudor, as imaginárias asas que os levariam (ainda que por escassos momentos) a animar a atmosfera que respirávamos.

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