Eu Poeta me Confesso...
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Porque vim no Algarve à luz do dia,
Menino me criei perto do mar
E, com ele, aprendi a rebeldia
Das ondas altaneiras a lutar...
Não sei se nas artérias eu teria
Sangue de avós heróicos a pulsar,
Ou se era de Poetas que trazia
Uma herança de sonho em meu olhar...
O certo é que intentei, louco e audaz,
A conquista da vida ( era rapaz,
Tinha por mim a esp`rança...), e na memória
Vejo-me ainda, coração ao alto
Como um pendão real, ir ao assalto
Com a plena certeza da vitória!
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E, porque com o mar tinha aprendido
O modo de lutar, rude e constante,
Ante a vida me achei ora caído,
Ora dominador e arrogante.
Agora, em agonias de vencido;
Logo a erguer-me, altivo e triunfante,
À minha luta dei maior sentido:
Fui mais alto, e mais fundo, a cada instante!
Lição eterna que do mar nos vem,
Entendia-a depois, como ninguém,
Ao ver que me era inútil a batalha...
Onda que sobe e desce, a vida corre.
Um sonho, mal que nasce logo morre,
E nada muda o que o destino talha!
III
Mordi o pó, quebrada a minha lança,
E meu pendão real feito em pedaços!
Herói falhado, abandonou-me a esp`rança
Que em tempos idos me estendera os braços...
Meus olhos tão alegres em criança,
Tinham só amarguras e cansaços
Em vez do sonho que me fora herança
De avós remotos--Césares ou Tassos...
Qual mísero mendigo de longada
Batendo às portas, sem que dêem nada
À mão que leva em súplica, estendida,
Olhei as minhas pobres mãos morenas,
E vi que nelas me ficara, apenas,
Um jeito de pedir esmola à vida...
IV
Com muros de renúncia edifiquei
Um castelo de sombra e soledade...
E nele emparedado, me tornei
Castelão do desgosto e da saudade...
Dos restos de mim próprio me fiz rei,
--Rei triste sem orgulho e sem vaidade;
E foi o esquecimento a minha lei,
E foi a solidão minha vontade.
Castelo sem janelas e sem portas,
Por ele entrava o vento a horas mortas,
Para me consolar, piedosamente;
Depois, com dó de mim, ia-se embora
Correr o mundo pela noite fora,
Gritando versos meus a toda a gente!...
V
Mas, certo dia, as tuas mãos, nas minhas,
Num milagre sem par, vieram pôr
A ternura suavíssima que tinhas
Guardada p`ra me dar, ó meu Amor!
Não quiz saber quem eras, se provinhas
De algum reino d`aquém ou d`além dor,
Pois mal te vi adivinhei que vinhas
Na graça e com a benção do Senhor.
Desde que tu vieste, e que te tenho
Junto de mim, o meu castelo estranho
Até deixou de ser triste e sombrio...
E o meu amigo vento, assobiando
Por esse mundo, agora anda cantando
Que eu já vivo outra vez, que já me rio!
VI
Da minha` alma varri o desalento,
E já o seu poder é mais que humano!
--- Asa que torna ao céu, em movimento,
Nau que afronta de novo o oceano!
A vida, agora, um redobrado alento
Me anima e leva a conquistá-la, ufano,
Elmo a brilhar ao sol, bandeira ao vento,
Como um antigo imperador romano!
Já no meu peito o orgulho se faz chama!
Sou algarvio, descendo da moirama,
Tenho o perfil trigueiro, a fronte nobre...
E tenho ainda um grande Amor!--- o teu,
Esta riqueza que o Senhor me deu
Para que nunca mais eu fosse pobre!
VII
Eis-me tentando a íngreme escalada
Que o meu anseio de mais além procura!
Meus sonhos, p`lo azul em revoada
São dispersões de mim buscando altura!
Sinto a alma liberta, arrebatada,
E flui da minha boca a voz mais pura
Num canto que desperta a madrugada,
E que rasga o pavor da noite escura!
Para além do real, sinto-me o verso
Que faltava ao poema do universo,
O acento final, o último grito...
Espírito sem forma e sem idade,
Sopro divino--- sou Eternidade!
Clarão de Estrela--- atinjo o Infinito!
João Braz
Fonte: AlmaLusa
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