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sexta-feira, 10 de abril de 2009

António Feliciano de Castilho

O AVARENTO ROUBADO


Harpagão

(Vindo a gritar desde o quintal até entrar em cena, com as feições desconcertadas, e no auge do terror)

Aqui de el-rei, ladrões! Ladrões, aqui de el-rei!
Querem-me assassinar. Mataram-me. Acabei.
Justiça, Deus do céu! Ó da ronda! Ó da guarda!
Estou perdido e morto! um chuço! uma espingarda!
Roubaram-me o meu sangue, os meus dez mil cruzados!
Quem seria? Quem foi? Persigam-me os malvados!
Quem mos trouxer co roubo of'reço-lhe um quartinho...
meia moeda... mais, que eu nunca fui mesquinho.
Para onde fugiu? Onde está ele? Aonde?
Corram, vasculhem tudo, a ver onde se esconde.
Ali não!... Aqui não!.. Agarra o bandoleiro!
Vê-lo cá vai... Agarra, agarra o meu dinheiro!


(Agita-se bracejando à doida, e agarra com a mão direita o braço esquerdo)


Filei-te, mariolão! Larga o que não é teu!...
Estou perdido e doido: o que apanhei fui eu.
E eu quem sou? Onde estou? Que hei-de fazer? Que posso?
Ah, meus ricos dobrões, se eu era todo vosso,
como pudestes vós deixar-me só no mundo?
Que situação! Que horror! Que inferno tão profundo!
Ninguém tem dó de mim; sou Lázaro; sou Job.


(Chora e soluça despropositadamente)


Perdi tudo, e ninguém de mim tem dó.


(Numa explosão de delírio)


Enforcar tudo a esmo, até que surda alguém
co meu cofre; aliás enforco-me eu também.


............................


De que me hei-de valer? Demónio, eu te requeiro:
leva-me um olho... e as dois, mas dá-me o meu dinheiro!

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