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quarta-feira, 30 de abril de 2008

Pedro António Correia Garção

EPÍSTOLA


Se não te enjoas de comer sem pompa
Em toalhas do Minho, em pobre mesa
Onde não tine a rica porçolana,
Nem cansa os olhos trémulo reflexo
De burnida colher, de refulgente
Britânico saleiro, caro Amigo,
Sábio, ilustre Sarmento; ou não te assusta
O suspeito convite de um poeta
Afeito a dura fome, a duro frio,
Cujo humilde tugúrio Noto açouta,
E Áfrico lhe arrepia as leves telhas,
Hoje podes cear na Fonte Santa:
Alegres beberemos. Na cozinha
Estala a seca lenha, brilha o fogo;
O negro bicho ou negro cozinheiro,
Enroscado no espeto fica assando
Um lombo corpulento. Agora deixa
As sérias reflexões, as esperanças
Da branca vara, da soberba toga,
Das rascoas vizinhas, lumes fátuos,
Que observas com teu longo telescópio.
A desabrida noite nos convida
A que juntos passemos poucas horas
Em doce trato, em doce companhia.
Teremos bons parceiros, cartas novas,
E em ruivos castiçais de pechisbeque
Arderão duas cândidas bugias.
Já na mesa fumega o precioso
Natural elixir do rico Oriente,
O bom chá quotidiano, mais pedido
Que o pão de cada dia, nesta casa.

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