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segunda-feira, 14 de abril de 2008

Soares de Passos

O Firmamento

 

Glória Deus! Eis aberto o livro imenso,

O livro do infinito,

Onde em mil letras de fulgor intenso

Seu nome adoro escrito.

Eis do seu tabernáculo corrida

Uma ponta do véu misterioso:

Desprende as asas, remontando à vida,

Alma que anseias pelo eterno gozo!

Estrelas, que brilhais nessas moradas,

Quais são vossos destinos?

Vós sois, vós sois as lâmpadas sagradas

De seus umbrais divinos.

Pululando do selo onipotente,

E sumidas por fim na eternidade,

Sois as faíscas do seu carro ardente

A rolar através da imensidade.

E cada qual de vós um astro encerra,

Um Sol que apenas vejo,

Monarca doutros mundos como a terra

Que formam seu cortejo.

Ninguém pode contar-vos: quem pudera

Esses mundos contar a que dais vida,

Escuros para nós, qual nossa esfera

Vos é nas trevas da amplidão sumida.

Mas vós perto brilhais, no fundo acesas

Do trono soberano;

Quem vos há de seguir nas profundezas

Desse infinito oceano?

E quem há de contar-vos nessas plagas

Que os céus ostentam de brilhante alvura,

Lá onde sua mão sustém as vagas

Dos sóis que um dia romperão na altura?

E tudo outrora na mudez jazia,

Nos véus do frio nada;

Reinava a noite escura; a luz do dia

Era em Deus concentrada.

Ele falou! e as sombras mim momento

Se dissiparam na amplidão distante!

Ele falou! e o vasto Armamento

Seu véu de mundos desfraldou ovante!

E tudo despertou, e tudo gira imerso em seus fulgores;

E cada mundo é sonorosa lira

Cantando os seus louvores.

Cantai, ó mundos que o seu braço impele,

Harpas da criação, fachos do dia,

Cantai louvor universal Àquele,

Que vos sustenta e nos espaços guia!

Terra, globo que geras nas entranhas

Meu ser, o ser humano,

Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas,

E com teu vasto oceano?

Tu és um grão de areia arrebatado

Por esse imenso turbilhão de mundos

Em volta de seu trono levantado

Do universo nos seios mais profundos.

E tu, homem, que és tu, ente mesquinho

Quando soberbo te elevas,

Buscando sem cessar abrir caminho

Por tuas densas trevas?

Que és tu com teus impérios e colossos?

um átomo sutil, um frouxo alento!

Tu vives um instante, e de teus ossos

Só restam cinzas, que sacode o vento.

Mas ah! tu pensas, e o girar dos orbes

À razão encadeias;

Tu pensas, e inspirado em Deus te absorves

Na chama das idéias:

Alegra-te, imortal, que esse alto lume

Não morre em trevas num jazigo escasso!

Glória a Deus, que num átomo resume

O pensamento que transcende o espaço!

Caminha, ó rei da terra! se inda és pobre

Conquista áureo destino,

E de século em século mais nobre

Eleva a Deus teu hino;

E tu, ó terra, nos floridos mantos

Abriga os filhos que em teu seio geras,

E teu canto de amor reúne aos cantos

Que a Deus se elevam de milhões de esferas!

Dizem que já sem forças, Moribunda,

Tu vergas decadente:

Oh! Não! De tanto Sol que te circunda

Teu Sol inda é fulgente;

Tu és jovem ainda: a cada passo

Tu assistes de um mundo às agonias,

E rolas entretanto nesse espaço

Coberta de perfumes e harmonias.

Mas ai! tu findarás! Além cintila

Hoje um astro brilhante;

Amanhã ei-lo treme, ei-lo vacila,

E fenece arquejante.

Quem foi? Quem o apagou? Foi seu alento

Que extinguiu essa luz já fatigada,

Foram séculos mil, foi um momento

Que a eternidade fez volver ao nada.

Um dia, quem o sabe? um dia ao peso

Dos anos e ruínas,

Tu cairás nesse vulcão aceso

Que teu Sol denominas;

E teus irmãos também, esses planetas

Que a mesma vida, a mesma luz inflama,

Atraídos enfim, quais borboletas,

Cairão como tu na mesma chama!

Então, ó Sol, então nesse áureo trono,

Que farás tu ainda,

Monarca solitário, e em abandono,

Com tua glória finda?

Tu findarás também, a fria morte

Alcançará teu carro chamejante:

Ela te segue, e profetiza a sorte

Nessas manchas que toldam teu semblante.

Que são elas? Talvez os restos frios

De algum antigo mundo,

Que inda referve em borbotões sombrios

No teu seio profundo,

Talvez, e envolta pouco e pouco a frente

Nas cinzas sepulcrais de cada filho,

Debaixo deles todos de repente

Apagarás teu vacilante brilho.

E as sombras passarão no vasto império

Que teu facho alumia;

Mas que vale de menos um saltério

Dos orbes na harmonia?

Outro Sol como tu, outras esferas

Virão no espaço descansar seu hino,

Renovando nos sítios onde imperas

Do Sol dos Sóis o resplendor divino.

Glória a seu nome! Um dia meditando

Outro céu mais perfeito,

O céu d'agora ao seu altivo mando

Talvez caia desfeito.

Então mundos, estrelas, Sóis brilhantes,

Qual bando d’águias na amplidão disperso,

Chocando-se em destroços fumegantes,

Desabarão no fundo do universo.

Então a vida, refluindo ao seio

Do foco soberano,

Parará concentrando-se no meio

Desse infinito oceano:

E, acabado por fim quanto fulgura,

Apenas restarão na imensidade:

— O silêncio, aguardando a voz futura,

O trono de Jeová, e a eternidade!

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