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quarta-feira, 9 de abril de 2008

Vasco de Graça Moura

praias

1

na praia lá do guincho as velas

de windsurf saltam sobre as ondas

e o meu olhar, equestre,

pula nos peitos das banhistas, enquanto

um cachorro tenta agarrar a cauda.

nos feriados tudo é insuportável

menos o sol e o mar

apesar das famílias.

e sustendo as gaivotas na mais alta

imaginação, porque hoje não vi nenhuma,

o vento traz de tudo

e antónio nobre e lorca às pandas roupas

que modelam os corpos em míticas figuras

com o seu drapejado esvoaçante,

entre dunas e lixo e vendedores de gelados.

restaria o campo, mas

«no campo não há bicas nem paperbacks»

diz uma amiga minha e tem razão.

que seria de nós, bucólicos, sem esses indicadores da alma? dou

lume a uma italiana e enquanto

ela agradece ocorre-me que despi-la já não é

cosa mentale; faz-me lembrar o algarve, mas no verão

o algarve é a continuação

da política por outros meios. antes

a nortada, os surfistas,

na crista da onda, a areia que entra no poema,

e o regresso mais cedo, quando já não se

aguenta.

2

agora que passaste muito queimada do sol

o vento vem pela estrada até à duna

com uma folha de jornal desdobrada

aos baldões e as vozes dos piqueniques.

tu desceste da moto e foste

comprar um gelado, afastando impaciente

algumas crianças. era a impostura

para a sede, avivada pelos guarda-sóis

de cor berrante. nas rochas havia

alguns pares esfregando-se

mais ou menos à vista. penduraste

os óculos de sol no decote da blusa

 

e o gelado avançou para os teus dentes muito brancos.

tudo isto dava uma fotografia

com o teu peito em grande plano

e a cena reflectida nos óculos escuros.

 

Vasco Graça Moura

Antologia de Convívios

Lisboa, Edições Asa, 2002

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