Édipo recuperando a visão
Não me escutes.      
Eu passo através das salas como uma noite violenta.       
Atravesso e não sou senão essa noite peremptória,       
que bate nos claustros inebriados,       
onde tu procuras escutar-me. 
   
Onde digo noite, digo a inesperada      
muralha materna. E digo: somos       
o eco de vozes mais simples.       
Que um fruto é cego para dentro,       
e toda a terra está ameaçada       
pela cauda de um cometa. 
   
Não me escutes.      
Este é um labor devastado pelo frio,       
vontade de um gesto esplêndido       
para erguer cada coisa dentro de si mesma.       
Surpreender o outro a meio da sua morte       
e tocar-lhe as pálpebras, os lábios,       
as mãos silenciosas. 
   
Tantas vezes regresso para contemplar      
a ressurreição nos campos.       
Então a casa é como uma tocha enraizada,       
um ser exemplar que domina o horizonte       
e no corpo quebra a difusão da luz, gerando       
sombras inacessíveis, nomes que se entregam       
devagar a crianças vivas e súbitas.       
O tempo exaltado das crianças. 
   
Se alguém dorme, é porque se perdeu      
no labirinto da sua própria força.~       
Lá fora, os frutos tombam e cedem.       
O sono expande-se como uma imagem       
inquietante, infiltrando-se no segredo das sementes.       
Sementes atingidas pelo relâmpago,       
metidas e água fria e memória: estalam.       
São nervos que estalam.       
Não me escutes. 
   
Um crime lento, pedras transidas debaixo da fala. 
   
Quando alguém dorme, o seu nome é tomado de assalto.      
E os seus pulsos rebentam de lado, e a boca       
enche-se de uma pura intenção de palavras,       
e cria as palavras,e cria celurarmente o próprio corpo       
num furor gramatical, um imenso texto orgânico.       
Quando alguém dorme, lê-se em absoluto silêncio.       
Quando alguém dorme, o seu verdadeiro nome       
é-lhe restituído. 
   
A terra cresce sobre a paisagem.      
Os frutos operam a sua loucura, levantam a terra.       
Levantam a falésia central, a lâmina invisível.       
Os claustros respiram a cauda de fogo do cometa.       
Eu vejo-te, ao fundo das salas atravessadas vejo-te,       
e deslumbro-te com a noite entoada,       
e surpreendo-te a meio da tua morte 
   
- e amo com os dedos o silêncio em que estás.





 


























Sem comentários:
Enviar um comentário