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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Filinto Elísio

Quando a Fortuna Encetou com Desgraças

Quando a Fortuna, de inconstante aviso,

    Encetou com desgraças

O varão que não veio humilde, abjecto

    Adorar o seu Nume,

Na refalsada Corte, ou ante os cofres

    Chapeados de Pluto;

Levando avante, o seu empenho, e acinte,

    Maléfica lhe emborca

Sobre a cabeça a mágoas devotada,

    Toda a Urna infelice,

Que Jove encheu colérico co'as penas

    De atormentado inferno.

Dos ombros do Varão constante e justo

    Resvalam debruçadas

Perdas de bens, desonras mal sofridas

    A lhe aferrar o peito

Co'as garras afaimadas da pobreza;

    Logo os tristes Pesares

Em torno ao coração serpeiam, mordem,

    Trajando a rojo lutos.

Vem a má nova, de agouradas falas,

    Que se compõe sequela

De tibiezas, senões, desconfianças,

    Desamparo de amigos.

A Doença, com mão finada abrange

    Os fatigados membros

E no âmago do peito as amargaras

    Vão assentar morada.

Com índice maligno a Providência

    Lhe aponta no futuro,

Em nebuloso quadro hórridas formas

    De sinistros sucessos.

Quem não quisera, com melhor semblante

    Despedir-se do dia,

E fraudar, com as sombras do jazigo,

    Do Fado os ameaços?

Qual é a alma tão forte, que resista

    Aos prantos duma Amante

Ingénua, comedida, afável, terna,

    Que, nos braços da Angústia,

Implora com os olhos arrasados

    De lágrimas mimosas,

Arredado socorro, e este lh'o embarga

    Às desprezadas portas

O agudo rosto da Miséria esquiva!

    Amigos insensíveis

Vede, que é obra vossa este rascunho

    Das penas de Filinto:

Obra vossa, que o dais ao desamparo

    Com culpado descuido.


Filinto Elísio, in "Odes"

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