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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Filinto Elísio

À Minha Morte

Sei, que um dia fatal me espera, e talha

    A minha vida o estame:

Nem Prosérpina evita uma só frente.

    Sei que vivi: mas quando

Tem de soltar-se, ignoro, o vivo laço;

    E se claros, ou turvos

Se hão-de erguer para mim os sóis vindouros. —

    Pois, que ao sevo Destino

Me é vedado fugir, fugi ao longe

    Roazes Amarguras,

Que estes permeios anos minar vínheis.

    Rir quero — e mui folgado,

De vos ver ir correndo, de encolhidas,

    Escondendo na fuga,

As caudas dos medonhos ameaços.

    Quero, entre mil saúdes,

De vermelha, faustíssima alegria

    Ir passando em resenha,

Taça após taça, a lista dos amigos,

    E o coro das formosas,

Que a vida me entreteram com agrado.

    E reforçado e lesto

C'o néctar da videira, as mãos travando

    Co'as engraçadas Musas,

Em dança festival, com pé ligeiro,

    Na matizada relva,

Cansar de tanto júbilo o meu sp'rito,

    Que se vá (sem que o sinta)

Continuar o baile nos Elísios)

    Entre o Garção e Horácio.

De lá, em novas Odes, que mais valham

    Que quantas fiz tégora,

(Pois que emendadas pelo douto Mestre)

    Darei pasto à mania

De versejar, que me tomou bem tenro,

    Que zombou de remédios.

E de lá mandarei guapos modelos,

    Onde ávidos alunos

Bebam largas lições; — se achar Correio;

    Que deles se encarregue,

E refretando a barca de Caronte,

    Cá lhas recove ao Mundo.


Filinto Elísio, in "Odes"

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