Cá neste monte estéril, seco e alto,
Para onde vim fugindo do castigo
Que em tantos montes deu tão grande assalto,
À vista do destroço e do perigo
Que me ameaça, estou continuamente
Fazendo estreitas contas só comigo.
Mas até neste estado descontente,
Aonde não tem lugar outra lembrança,
Sempre, senhor, na minha estais presente.
Lá voa o pensamento e lá descansa,
Aonde vós, descuidado, descansais,
Se em tal tormenta alguém goza bonança!
Se lá não chega o eco de meus ais,
O sentimento e mal de minhas dores,
Que à vista das alheias crescem mais,
Os queixumes ouvi dos meus pastores,
Como algum hora, mais alegre, ouvistes
As graças e o louvor de seus amores.
E, pelo que em meus olhos sempre vistes,
Julgareis se fugi com força ou gosto
De quem (para mor mal) foge dos tristes.
Porém o couto é tal, aonde estou posto,
Que mais tem semelhança do tormento
Do que para os fugidos melhor rosto.
Graças ao meu provado sofrimento,
Que faz tão pouca conta do seu dano
Que ainda culpa o fado de avarento,
Lá vos envio Gil, Franco e Montano;
Eles darão sinal do que eu padeço,
Sem refolho, sem erro e sem engano.
O que há neste desvio vos ofreço:
O estilo, as palavras tão singelas,
A que tirou a arte a graça e preço.
Porém não dana ouvi-las e sabê-las;
Tirai-lhe a casca como a qualquer fruta
E então direis do fruito que achais nelas.
E, se algum dos censores que me escuta
(Que, por mais fundo vau que estê diante,
Sem asas quer passar com a roupa enxuta)
Disser que é ser pastor ser ignorante,
Nem as razões estão só no concerto,
Nem no vestir custoso o ser galante.
Vós que a verdade vedes mais ao perto,
Aceitai, Paiva ilustre, o meu cuidado,
Que vai qual sofre o mal deste deserto.
E, enquanto nele vivo desterrado,
Aonde nenhum prazer já me convida,
Me avisai se estais livre e descansado;
Terei prazer, descanso, gosto e vida.
Églogas
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