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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Eduardo Pitta

 

As coisas são como são.
Sempre haverá uma mão senhora de exemplar
desprendimento, atenta ao sufoco
e à desolação da alma.

Assim foi, por socalcos de tabaco,
o enredo dos caminhos, ardente magia.
Pouco importa saber
que toda a paisagem mente.

Gente propensa a ver a luz por um funil
a vê-la assim em corredores,
esplendidamente ignorante das forças vitais,
de qualquer alegoria. Esse sentido

mediúnico, três vezes milenário, de fabular
a perversa mudez dos animais.
Contudo eles estão onde os encontramos.
E estão simplesmente calados.

Ainda se lembrava dos seus tempos de rapaz.
Quando era tudo de perfil. Nem podia ser
de outro modo: de perfil e em diorite
como nos retratos do Império Antigo. Muitos

iriam acolher depois os ritos do primitivo
estigma. Nos parques, na penumbra dos relvados,
ficou dessa queimadura uma legenda. Alguns
resistem. Paralisa-os a vertigem de uma estreita

afeição. No limite do conhecimento, a tremer
de alegria, encontram aquilo que
tinha sido esquecido. A cabeça entre as pernas
nem sempre se distingue de um sussurro

de lâminas. A música de tal desígnio percute
nas sílabas todas do inominado canto. Às vezes
por um punhado de lágrimas, equívoco maior.
É claro que a iniquidade continua impune.

Negros e jarros não voltam a ser como dantes.
De Coney Island ao Whitney a insurreição
teve o teu nome. Por corpos e caules olhavas
com uma mesma e violenta candura

as aráceas e os deserdados do downtown,
putas e princesas, amigos sem o premeditado
cálculo das prebendas.
Houve quem começasse a morrer muito depressa.

Toda a noite a luz multiplicou
o instantâneo de um rosto intraduzível.
Esquiva, a tua morte não escapou
à ladainha de regra.

Correu uma versão torpe quando
te viram a sorrir
uma ironia de druida clandestino,
indiferente à voragem dos bárbaros.

Nada de muito óbvio mas havia
qualquer coisa de refractário
no seu nomadismo.
Alguém um dia referiu

episódios escabrosos de antiquíssima
factura.
Sempre a espessura de um canalha
haverá de misturar urzes

com o delito oculto de algumas
quimeras. Vivia em paz quando
a desordem chegou
mas o plot mudara a personagem.

Hesitas quanto à natureza do travo na língua,
a boca sempre vulnerável ao bitterness
do chilled pineapple-moscato zabaglione,
ou só o frio a arder de Union Square para Central Park West.

Até que os elefantes olham para ti
com um garbo irreprimível.
(Nenhum deles sabe que isso acontece
para que se repita uma cena.)

Álvaro de Castro, patrono de outra prodigiosa
manada,
também não sabia.
Mas foi lá que tudo começou,

entre torcidos manuelinos e calções de caqui
com ravina e mar ao fundo.
Trinta anos de intervalo cabem inteiros
neste confronto.

Desvias o olhar e corres para o clarão do gelo
e o ziguezague dos batedores.
A tarde cai do outro lado mundo.
Tu ficas ali, blindado em cashmere.

Fonte: Site Eduardo Pitta - Poemas

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