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domingo, 21 de dezembro de 2008

Filinto Elísio

Usos Deste Mundo

Nas praças uns perguntam novidades;

Outros dão volta às ruas, ao namoro;

Este usuras cobrar, esse as demandas

Lembrar corre ao Juiz que se diverte.

Ir de Jano aprender a ser bifronte,

De Mercúrio, no trato, a ser bilingue,

Franco no prometer, no dar escasso.

C'os olhos fitos no ávido interesse

Ser consigo leal, com todos falso

É ser homem capaz, home' entendido.

Assim, que vemos nós por este esconso

Mundo? Vemos logrões, vemos logrados;

Ninguém vês ir com cândido desejo

Aos Sénecas, aos Sócrates de agora

Perguntar as lições tão necessárias

De ser honrado, ser com todos justo.

Tão sobejos se crêem de honra e virtude,

Que cuida cada um poder de sobra

Mostrar na Ocasião virtude a rodo,

E chega a Ocasião, falha a virtude.

Filinto Elísio, in "Miscelânia"

Uns Lindos Olhos, Vivos, Bem Rasgados

Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados,

    Um garbo senhoril, nevada alvura;

    Metal de voz que enleva de doçura,

    Dentes de aljôfar, em rubi cravados:

Fios de ouro, que enredam meus cuidados,

    Alvo peito, que cega de candura;

    Mil prendas; e (o que é mais que formosura)

    Uma graça, que rouba mil agrados.

Mil extremos de preço mais subido

    Encerra a linda Márcia, a quem of'reço

    Um culto, que nem dela inda é sabido:

Tão pouco de mim julgo que a mereço,

    Que enojá-la não quero de atrevido

    Co' as penas, que por ela em vão padeço.

Filinto Elísio, in "Sonetos"

Prazer! Prazer! oh Falso, oh Bandoleiro!

«Prazer! Prazer! oh falso, oh bandoleiro!

    Que fugindo te ausentas

De nós, sem saudade, e tão ligeiro:

    As penas nos aumentas,

Se, mal que te acolhemos, já nos deixas».

Eis que o lindo Prazer tão suspirado

Me responde: — Que vãs são tuas queixas!

Aos Numes graças rende, que hão criado

O Prazer breve: que, a ser eu comprido,

Me houveram (certo) para si retido.

Filinto Elísio, in "Madrigais"

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