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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Eduardo Pitta

 

Falo de uma terra
intacta e pura
sem a memória dos mortos
que ainda não morreram.

Falo dos corpos (in)sepultos
dos vivos que ainda não nasceram
e despedaço-me na ossatura do sonho
no litoral da amargura.

Falo pela boca dos canhões
pela terra de ninguém
pelos filhos de uma noite
que vem da lonjura dos tempos...

Doloroso compasso de espera
este de auscultar
os dias que nos ficaram
para habitar.

Somos uma fauna inóspita,
uma raiz tentacular
árida e seca
como a sede.

Perseguem-me fantasmas
de outros tempos.

Árvores despidas
que o horizonte plúmbeo
ajudou a recortar
com uma nitidez
de pesadelo.

E tudo agora me diz
dos tempos em que
menino
me deleitava no estalar
de folhas em carne viva.

Um cão de angústia progride
na cidadela sitiada

enquanto te demoras
no sorvo
no arquejo largo
no topo da saliva

enquanto te entreabro
as pernas altas
enquanto te humedeço
o musgo tenro

para te ferir com a boca
cheia de vidro moído.

Continuamos no limiar
do osso.

Ainda ontem
cristalizávamos ao compasso
assíncrono
da respiração de quem nos ficou
pelo caminho.

Infalíveis,
fracturamos o sonho.
Fazemos de conta.
Evoluímos com feroz destreza
enquanto o medo se perfila.

Inútil dizer-te
da cidade
que vou perdendo.

Cada uma destas pedras
me diz
da distância entre nós dois.

Permaneço
(todo silêncio
e portas).

Muito nítida,
a nostalgia fere
à transparência de um arbusto.

Adivinhamos inquietos os olhos
e o poema dos dois corpos.

A nossa vida tem sido um passar
sem pedir licença.

Um dia e outro dia depois,
como quem adestra relâmpagos

Fonte: Site Eduardo Pitta - Poemas

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