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quarta-feira, 8 de abril de 2009

António Dinis da Cruz e Silva

O HISSOPE

CANTO V


O bom Lara, que havia longo tempo
que nesta santa casa não entrava,
aturdido ficou, quando a seus olhos,
na cerca entrando juntos, se oferecem
as areadas ruas, as estátuas,
os buxos, os craveiros, as latadas
de mil flores cobertas, que de em torno
o virente jardim adereçavam.
E não bem quatro passos tinha dado,
quando, fitando curioso a lente
na estátua que primeira ali se encontra.
pergunta ao jubilado: – «Quem é este
Monsieur Paris, segundo diz a letra,
que por baixo, na base, tem aberta?
Se se houver de julgar pela aparência,
o nome, a catadura, o penteado
dizendo-nos estão que este bilhostre
foi francês e talvez cabeleireiro.
inventor do topete que o enfeita».
– «Páris e não Paris diz o letreiro
(circunspecto lhe volve o padre-mestre).
Nem francês, como crê, cabeleireiro.
a personagem foi que representa,
mas em Tróia nasceu, de estirpe régia».
– «Pois se francês não foi (replica o Lara)
como Monsieur lhe chamam?» C'um sorriso
lhe torna o padre-mestre: – «Não se admire.
que isto está sucedendo a cada passo
ao pé de cada esquina, hoje, sem pejo,
se tratam de monsieurs os Portugueses.
Isto, senhor. é moda; e, como é moda.
a quisemos seguir; e sobretudo
mostrar ao mundo que francês sabemos».
– «De tanto peso pois (lhe volve o Lara)
ó, padre jubilado, por ventura,
o saber o francês, que disso alarde
fazer quisessem vossas reverências?
Por acaso, sem esse sacramento,
não podiam salvar-se e serem sábios?
Pois aqui, em segredo, lhe descubro
que o francês, para mim, o mesmo monta
que a língua dos selvagens boticudos»
– «Não diga, senhor, tal; que neste tempo,
oh tempos! oh costumes! (diz o padre)
o saber francês é saber tudo.
É pasmar ver, senhor, como um pascácio
de francês com dois dedos, se abalança,
perante os homens doutos e sisudos,
a falar nas ciências mais profundas,
sem que lhe escape a santa teologia,
alta ciência aos claustros reservada.

Desta audácia, senhor, deste descoco
que entre nós, sem limite, vai lavrando,
quem mais sente as terríveis consequências
é a nossa português casta linguagem,
que em tantas traduções anda envasada
(traduções que merecem ser queimadas!)
em mil termos e frases galicanas.
Ah! se as marmóreas campas levantando,
saíssem dos sepulcros, onde jazem
suas honradas cinzas, os antigos,
lusitanos varões, que com a pena
ou com a espada e lança a pátria ornaram,
os novos idiotismos escutando.
a mesclada dicção, bastardos termos,
com que enfeitar intentam seus escritos
estes novos ridículos autores,
(como se a bela e fértil língua nossa,
primogénita filha da latina,
precisasse de estranhos atavios!)
súbito certamente pensariam
que nos serões estavam de Caconda.
Quelimane, Sofala ou Moçambique;
até que, já por fim desenganados
que eram em Portugal, que Portugueses
eram também os que costumes, língua,
por tão estranhos modos afrontavam,
segunda vez de pejo morreriam».
(...)

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