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segunda-feira, 27 de abril de 2009

Manuel Alegre

 

ABRIL DE ABRIL

Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.

Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.

Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.

Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.

Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.

Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.

30 Anos de Poesia - Publicações Dom Quixote

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

CANTATA DA PAZ


Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

D'África e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado

 

(CD Canções Com Aroma de Abril, Strauss, 1994)

sábado, 25 de abril de 2009

Alexandre Vargas

 

Primeira oração a Cyborg

Senhor já vos chamei e novamente
as vossas luzes nas colunas e o povo
que não fala pelas ruas deambula,
com a boca entreaberta, os braços fixos
no trajecto-paraíso sem igual
descreve a longa via engenhosa que percorre o seu caudal.

Mas vós, Cyborg, tão alto estais exposto
aos ventos que a vosso encontro se encaminham
que a cidade agonizante toda une os seus esforços
e canta sibilante a melodia
dos vossos templos de quiosques enfeitados,
entre as cascatas o som puro dos seus passos.

Sim, tu Cyborg, és tudo o que desejo
e estou na treva observando o teu fulgor,
serás apenas a miragem ou o grito
que de noite atormenta o meu furor,
desta loucura agora todo eu me quero entranhar
até em parte alguma jamais de novo poder estar.




CYBORG - Livros Horizonte 1978

Alexandre Vargas

 

Nas mãos sinto a luz

Nas mãos sinto a luz, a êxul luz
que vem das paliçadas da mansão,
a luz azul em clarificada zona então
aproxima de mim o seu facho de horizonte.

E logo eu a lembrar o querido monte
em que pousada estava sobracente a ramaria,
e logo eu então a pedir à maresia
que nos brilhos unos do futuro aproximasse

esse rumor de aves onde os raios enfeitasse
e eu oco no caminho que me guia
contivesse as minhas mágoas do passado,

e surgisse ali a minha alma em fogo-fátuo
estivesse eu em toda a dimensão do brusco
a nascer das folhas com a boca em luz arado.






CYBORG - Livros Horizonte 1978

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Alexandre Vargas

 Ma Blonde

Ouve, vagueio num espaço de luz cercado dum silêncio. é um silêncio e não o teu... vejo claramente olhando, as [mesas

o meu perfil que se volta docemente e não és tu, em que braços te suspendes e flutuas os teus lábios rigorosos de planície quando voas?..

Olha, fixa e furtivamente olha superiormente, ó Cyborg que enorme já te ergues no teu luto, a boca entreaberta como um ovo que é olhado na doce e fresca idade que em breve nos espera entoa já o canto dos fantasmas que dão fruto.



CYBORG - Livros Horizonte 1978

Alexandre Vargas

 

THE PALACE

Ainda estás de pé, ó meu velho palácio,

restaurado até no sítio onde um mausoléu

imaginei em que o meu corpo deitado

jazesse de dia e também, debaixo do céu

Nocturno, o fantasma da minha alma ao léu

volteasse por entre os túmulos etruscos

e os bustos romanos desse grande hotel

morada de ingleses que, ao lusco-fusco,

Nela terão dado belos passeios românticos

a que sempre regresso ao jardim da infância

antiga capela de Virgem da Catalunha.

Aqui terá Beckford gerado o seu Vathek

e cavaleiro cristão contra xeque

mouro combatido: valsa lua esconde a sombra.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Alexandre Vargas

 

Exílio

É noite e Cyborg dorme o seu sono de morte,
os dois acordes do som, na noite repetem:«Cyb-org,
Cyb-org) Cyb-org) Cyb-org...» e os autómatos crescem
na sombra funérea e ígnea dos luzes horizontes,
alguns ainda acendem os seus fachos claridade
para o descair ligeiro das placas violeta.

Irrompeu a cidade com um tremer de fumo de miragem
e toda se inflamou na sua tristeza sem igual,
com a cor do cimento, do ,branco e das vigas sobre o mar
aqui se implantou, aqui para sempre a luz paragem.
E nunca nenhum deus a jamais tentou vencer
e ninguém sem respeito para ela pode olhar.

É noite agora, o palácio adormecido onde de lado eu estaria
no estar sem espera, fecham as janelas e as grades
dos muros ainda porventura sem lembrança,
mas anoitece ainda a minha infância e sem correr,
eu, fantasma do que fui, procuro estar
na morte tão etérea de uma ave de metal.






CYBORG - Livros Horizonte 1978

Alexandre Vargas

 

Espectros que vêm das estrelas

Na noite vidro, um brilho de fósforo: azul.
Ouvi dizer que as estrelas são as moradas dos mortos,
irradiam assim alguma possibilidade?..
De qualquer modo saem dos nichos os algozes
que nos torturarão ao longo de uma vida inteira...
«Como te chamas ?», pergunta-se para haver resposta.
Descem com os grandes farricocos de Lua esgazeada,
sem O. V. N. I. de seda que lá nos possam flutuar
e vogam só as capas de morcego sobre os olhos.
Sigo-os eu até às suas pernas clandestinas,
dançam já e cortam-me a cabeça-
para quê voar dêem-me aquele pouco de loucura
de ser mais um zombie por aqui,
pois a minha vida é apenas «for the moment»
e todo o meu destino-1800
é navegar de cartola e bengala na mão de ferro
com castão lunar na gravidade destes sonhos.
Penso, penso em ti, como é o teu nome de cabelos?
Como procuras a tua morada sob as pontes
ou espreitas nas chaminés da grande fábrica
que se ergue no teu castelo de colina?
Mas danças, mas não ris, eu pelo meu lado
já vendi a minha alma a Belzebu,
e as crateras dos teus olhos são tão belas...
muito mais do que um olhar se espelha nelas,
os espectros que assim descem das estrelas
lá os vejo a bailar, a afeição
que um dia a mim também me deu a mão...


 

CYBORG - Livros Horizonte 1978

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Hernâni Correia

LONGE DAQUI 

Em sonho lá vou de fugida,
Tão longe daqui, tão longe.
É triste viver tendo a vida,
Tão longe daqui, tão longe.
Mais triste será quem não sofre,
Do amor a prisão sem grades.
No meu coração há um cofre,
Com jóias que são saudades.
Tenho o meu amor para além do rio,
E eu cá deste lado cheiinha de frio.
Tenho o meu amor para além do mar,
E tantos abraços e beijos pra dar.
Ó bem que me dá mil cuidados,
Tão longe daqui, tão longe.
A lua me leva recados,
Tão longe daqui, tão longe.
Quem me dera este céu adiante,
Correndo veloz no vento.
Irás a chegar num instante,
Onde está o meu pensamento.
Tenho o meu amor para além do rio,
E eu cá deste lado cheiinha de frio.
Tenho o meu amor para além do mar,
E tantos abraços e beijos pra dar,
Tenho o meu amor para além do mar

Hernâni Correia

 

Hernâni Sebastião Paixão Correia, mais conhecido por Hernâni Correia (Lagos, 25 de Janeiro de 1925 - ( ? ) 2 de Fevereiro de 1998) foi um compositor e poeta português.

Biografia

Nasceu na freguesia de Santa Maria, em Lagos, filho de Hernâni Eduardo Correia e de Maria Cândida Paixão. Enquanto estudava na Escola Comercial Rodrigues Sampaio, em Lisboa, começou a laborar na Emissora Nacional. Tornar-se-ia, mais tarde, chefe de secção da Secretaria e Arquivo Geral e vogal do Conselho Fiscal da Radiodifusão Portuguesa. Frequentou, igualmente, o Instituto Superior de Económicas e Financeiras de Lisboa.

Foi 1.º secretário da direcção e vogal efectivo da direcção da Casa do Algarve, tendo representado o concelho de Vila do Bispo nesta organização. Foi também vogal no Centro de Arte e Cultura Teixeira Gomes.

Escreveu diversos poemas e letras para canções populares, entre os quais se destacam "Fado de Quem Ama", "Meu Amor, Minha Cidade", Pressentimento", "Sol de Pouca Dura", "Amar Lisboa", "Ao Ver Lisboa" e "Lisboa das Varinas".

Bibliografia

Ferro, S. (2002). Vultos na Toponímia de Lagos. Lagos: Câmara Municipal de Lagos

Obtido na Wikiopédia

terça-feira, 21 de abril de 2009

António Cabral

A UMA OLIVEIRA 

Velha oliveira,  ó irmã do tempo e do silêncio,
algo de ti se me tornou hoje perceptível;
algo que eu não conhecia e me fez parar
na ténue sombra que teces no caminho;
algo que é uma doce corola de contacto.


Já os passos da luz se afastam na colina
e um rumor de pérolas quebradas
desce, lentamente desce por toda a serrania.
Já as aves tuas amigas procuram na folhagem
a doçura acumulada nos favos da noite.
E  também já são horas
de nós os homens, nós os que passamos,
suspendermos as cítaras do pensamento.


Entretanto, ó canção do crepúsculo, velha oliveira,
eu paro sob os longos cílios da tua ramagem.
Paro e, ao sentir nas mãos o teu enrugado tronco,
e, nos olhos, a serenidade das tuas folhas,
começo a entender uma bela mensagem:
a paz, ah a paz!, a rosa da paz.


É como se uma gota de azeite descesse,
brandamente descesse pelas coisas.



In Poemas Durienses

António Cabral

SOLIDÃO

A maior parte das vezes não abre a janela:
senta-se no velho poial, como um resto de musgo,
e deixa que os olhos passem no vidro,
visitando-se mais uma vez. As coisas,


gradualmente, configuram-na, desde aquela hora,
e quem a procura, sentindo-a no fundo das águas,
não lhe pergunta pelo marido.
O relicário de pau-santo fere-lhe

a solidão de semente abolida,
já o arco de si própria.
Pudesse ao menos saber para onde irão varrer


o que ficar da sua sombra, quando vender a quinta.
Para junto dos limoeiros, sonha.
enquanto a alma escorrega, docemente.


in ANTOLOGIA DOS POEMAS DURIENSES

segunda-feira, 20 de abril de 2009

António Cabral

 

A Solidão

(O Isolamento da Condição Humana) II

Vem, meu amor. Estamos
numa terra de paz.
Aqui somos irmãos
daquela cotovia.

Esquecidos de tudo,
esquecidos da morte,
acendemos no tempo
o lume original.

Meu doce amor, a chama
branca, muito branca,
que se ateia, enleia
o que resta do mundo.

Somos livres. A vida
recupera as origens.
Que bom é estarmos sós
nas muralhas da luz!
Que bom é confundir
as mãos com as urtigas
e dizer: Oh Senhor,
obrigado por tudo!
          


in Quando o Silêncio Reverdece

António Cabral

E AGORA não sei se estás a descer as escadas e vens abrir a porta. Vi-te à janela quando começou a chover nesta árvore e não eras apenas um ramo. Bem sei que às vezes confundimos o que se vê com o ver, semelhantes que somos a bolinhas de sabão. É assim bem provável que já tenhas vindo à porta e passasses por mim sem eu te ver. Uma vez que a chuva se foi embora, acho então melhor prosseguir a caminho do olival onde mais facilmente te reencontrarei no voo das aves migratórias. Pelo sim, pelo não, fico também aqui, onde começa o rasto do teu olhar.


in O RIO QUE PERDEU AS MARGENS