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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Eduardo Pitta

 

É pela música que chego
e vos digo do insubordinado pulsar
de outra vontade.

De alguns corpos sabemos o objecto
da sua prodigiosa duplicidade.

Construímos a nossa casa
sobre um estendal de ruínas.
Habitamo-la com o desencanto
da injúria e somos, nela, o estrangeiro
e o seu último propósito.

Um sopro rente ao corpo
e o discurso táctil de outra
voz.
Ninguém diria do lento vagar
das apetências.

Acolhia-se aos destroços
da velha casa, onde não encontrou
nenhuma das antigas pegadas,
entre si confundidas na sombra
da pedra, nos reflexos do lago, no
lajedo da vigília.

A nenhum deles encontraria —
perdidos entre Cartago e a Palestina
distantes do absinto, dos dias de fox
hunting, das leituras de algum árcade
pedante e apostólico. Estava só. Era no tempo
da canalha.

Para trás ficavam as capelas imperfeitas
e a tranquila majestade dos olmos.
Amara-os aos dois no intervalo
um do outro, na iminência sempre de um naufrágio
redentor.
E agora tinha as mãos vazias.

Assim nos coube a pior aprendizagem
na cidade onde tudo escasseava.

Os meus amigos andam perdidos
um pouco por toda a parte.
De Lausanne ao Rio é o vasto mundo
dos desencontros, os mesmos que
de Naxos a Londres e de Manhattan ao Cabo
animam exílios vários.

Andam em diáspora os meus amigos.
Une-os, porventura, a mesma nostalgia.

Feridas antigas hipotecadas
ao futuro.

Aquela mulher não excessivamente velha
mas antiga o bastante, cheia ainda
de griserie, beberricava, nos intervalos de ler o Sun
o seu tea. Esquiva a memória do tempo
em que pudera ter sido a rapariga da página 3.

Deixara em Edinburgh três irmãs,
solteironas todas, e todas, como ela, enfermeiras
no front norte-africano, sob Montgomery.
Retornava a York, aigrette na capeline
e um fundado desprezo pelo nosso Observer

Fonte: Site Eduardo Pitta - Poemas

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá, peço que, se possível, divulgue o site do poeta Ulisses Tavares (www.ulissestavares.com.br) em seu blog.
Mandando um email para nós você concorre a um livro por semana do escritor!
Desde já agradeço a gentileza.

Abraços!